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GREGÓRIO DE MATOS é uma figura importante da literatura brasileira.
Hoje publicamos um poema do poeta , escrito aquando o seu degredo para a então colónia portuguesa.
Gregório de Matos Guerra, advogado e poeta, nasceu na então capital do Brasil, Salvador, BA, em 7 de abril de 1623, numa época de grande efervescência social, e faleceu em Recife, PE, em 1696. É o patrono da Cadeira n. 16, por escolha do fundador Araripe Júnior.
Foram seus pais Gregório de Matos, fidalgo da série dos Escudeiros, do Minho, Portugal, e Maria da Guerra, respeitável matrona. Estudou Humanidades no Colégio dos Jesuítas e depois transferiu-se para Coimbra, onde se formou em Direito. Sua tese de doutoramento, toda ela escrita em latim, encontra-se na Biblioteca Nacional. Exerceu em Portugal os cargos de curador de órfãos e de juiz criminal e lá escreveu o poema satírico Marinícolas. Desgostoso, não se adaptou à vida na metrópole, regressando ao Brasil aos 47 anos de idade. Na Bahia, recebeu do primeiro arcebispo, D. Gaspar Barata, os cargos de vigário-geral (só com ordens menores) e de tesoureiro-mor, mas foi deposto por não querer completar as ordens eclesiásticas. Apaixonou-se pela viúva Maria de Povos, com quem passou a viver, com prodigalidade, até ficar reduzido à miséria. Passou a viver existência boêmia, aborrecido do mundo e de todos, e a todos satirizando com mordacidade. O governador D. João de Alencastre, que primeiro queria protegê-lo, teve afinal de mandá-lo degredado para Angola, a fim de o afastar da vingança de um sobrinho de seu antecessor, Antônio Luís da Câmara Coutinho, por causa das sátiras que sofrera o tio. Chegou a partir para o desterro, e advogava em Luanda, mas pôde voltar ao Brasil para prestar algum serviço ao Governador. Estabelecendo-se em Pernambuco, ali conseguiu fazer-se mais querido do que na Bahia, até que faleceu, reconciliado como bom cristão, em 1696, ao 73 anos de idade.
Como poeta de inesgotável fonte satírica não poupava ao governo, à falsa nobreza da terra e nem mesmo ao clero. Não lhe escaparam os padres corruptos, os reinóis e degredados, os mulatos e emboabas, os "caramurus", os arrivistas e novos-ricos, toda uma burguesia improvisada e inautêntica, exploradora da colônia. Perigoso e mordaz, apelidaram-no de "O Boca do Inferno".
Foi o primeiro poeta a cantar o elemento brasileiro, o tipo local, produto do meio geográfico e social. Influenciado pelos mestres espanhóis da Época de Ouro Góngora, Quevedo, Gracián, Calderón sua poesia é a maior expressão do Barroco literário brasileiro, no lirismo. Sua obra compreende: poesia lírica, sacra, satírica e erótica. Ao seu tempo a imprensa estava oficialmente proibida. Suas poesias corriam em manuscritos, de mão em mão, e o Governador da Bahia D. João de Alencastre, que tanto admirava "as valentias desta musa", coligia os versos de Gregório e os fazia transcrever em livros especiais. Ficaram também cópias feitas por admiradores, como Manuel Pereira Rabelo, biógrafo do poeta. Por isso é temerário afirmar que toda a obra a ele atribuída haja sido realmente de sua autoria. Entre os melhores códices e os mais completos, destacam-se o que se encontra na Biblioteca Nacional e o de Varnhagen no Palácio Itamarati.
Sua obra foi editada na Coleção Afrânio Peixoto (1a fase), da Academia Brasileira de Letras, em seis volumes, assim distribuída: I Sacra (1923); II Lírica (1923); Graciosa (1930); IV-V Satírica (1930); VI Última (1933). Na Biblioteca Municipal de São Paulo há uma cópia datilografada dos versos pornográficos de Gregório de Matos, com o título Satyras Sotádicas de Gregório de Matos.
LAMENTA O POETA O TRISTE PARADEYRO DA SUA FORTUNA DESCREVENDO
AS MIZERIAS DO REYNO DE ANGOLLA PARA ONDE Ò DESTERRARAM.
Nesta turbulenta terra
armazém de pena, e dor,
confusa mais do temor,
inferno em vida.
Terra de gente oprimida,
monturo de Portugal,
para onde purga seu mal,
e sua escória:
Onde se tem por vanglória
o furto, a malignidade,
a mentira, a falsidade,
e o interesse:
Onde a justiça perece
por falta, de quem a entenda,
e onde para haver emenda
usa Deus,
Do que usava cos Judeus,
quando era Deus de vinganças,
que com todas as três lanças
de sua ira
De seu tronco nos atira
com peste, e sanguínea guerra,
com infecúndias da terra,
e pestilente
Febre maligna, e ardente,
que aos três dias, ou aos sete
debaixo da terra mete
o mais robusto.
Corpo queimado, e combusto,
sem lhe valer medicina,
como se peçonha fina
fora o ar:
Deste nosso respirar
efeitos da zona ardente,
onde a etiópica gente
faz morada:
Gente asnaval, e tostada,
que da cor da escura noite
a pura marca, e açoite
se encaminha:
Aqui a fortuna minha
conjurada com seu fado
me trazem em tal estado,
qual me vejo.
Aqui onde o meu desejo
debalde busca seu fim,
e sempre me acho sem mim,
quando me busco.
Aqui onde o filho é fusco,
e quase negro é o neto,
negro de todo o bisneto
e todo escuro;
Aqui onde ao sangue puro
o clima gasta, e conforme,
o gesto rói, e corcome
o ar, e o vento,
Sendo tão forte e violento,
que ao bronze metal eterno,
que o mesmo fogo do inferno
não gastara,
O racha, quebra, e prepara,
que o reduz a quase nada;
os bosques são vil morada
de Empacassas
Animais de estranhas raças,
de Leões, Tigres, e Abadas,
Elefantes às marradas,
e matreiros:
Lobos servis, carniceiros,
Javalis de agudas setas,
Monos, Bugios de tretas
e dos rios
Há maldições de assobios
de crocodilos manhosos
de cavalos espantosos
dos marinhos,
Que fazem horrendo ninhos
nas mais ocultas paragens
das emaranhadas margens,
e se acaso,
Quereis encher de água um vaso,
chegando ao rio ignorante
logo nesse mesmo instante
vos sepulta
Na tripagem mais oculta
um intrépido lagarto,
vós inda vivo, ele farto:
pelo que
Não ousais a pôr o pé
uma braça da corrente
que este tragador da gente
vos obriga
A fugir-lhe da barriga;
Deus me valha, Deus me acuda,
e com sua santa ajuda
me reserve:
Em terra não me conserve,
onde a sussurros, e a gritos
a multidão de mosquitos
toda a noite
Me traga em contino açoite,
e bofetadas soantes,
porque as veias abundantes
do vital
Humor puro, e cordial
não veja quase rasgadas
a puras ferretoadas:
e inda é mais;
Se acaso vos inclinais
por fugir da ocasião
da vossa condenação
a lavrador,
Estando a semente em flor,
qual contra pintos minhotos,
um bando de gafanhotos,
imundícia,
Ou qual bárbara milícia
em confusos esquadrões
marcham confusas legiões,
(estranho caso!)
Que deixam o campo raso,
sem raiz, talo, nem fruto,
sem que o lavrador astuto
valer lhe possa:
Antes metido na choça
se lastima, e desconsola
vendo, o quão geral assola
esta má praga.
Há uma cobra, que traga
de um só sorvo, e de um bocado
um grandíssimo veado:
e se me ouvis,
Há outra chamada Enfuís,
que se vos chegais a ela
vos lança uma esguicha dela
de peçonha,
Quantidade, que se exponha
bem dos olhos na menina,
com dores, que desatina
o paciente:
Cega-vos incontinenti
que o trabuco vos assesta
distante um tiro de besta:
(ó clemência
De Deus?) ó onipotência,
que nada embalde criaste!
Para que depositaste
num lugar
lnstrumentos de matar
tais, e em tanta quantidade!
e se o sol com claridade,
e reflexão
É causa da geração
como aqui corrompe, e mata?
e se a lua cria a prata,
e seu humor
Almo, puro, e criador
comunica às verdes plantas,
como aqui maldades tantas
descarrega?
E se a chuva só se emprega
em fertilizar os prados,
como febres aos molhados
dá mortais?
E se quantos animais
a terra sustenta, e cria,
são dos homens comedia,
como nesta
Terra maldita, e infesta,
triste, horrorosa, e escura
são dos homens sepultura?
Mas, Senhor,
Vós sois sábio e criador
desta fábrica do mundo,
e é vosso saber profundo,
e sem medida.
Lembrai-vos da minha vida,
antes que em pó se desfaça,
ou dai-me da vossa graça
por eterna despedida.
2 comentários:
muito boa a sua colocação sobre o poeta gragório de matos. Estava à procura de um material para a apresentação de um seminário na faculdade e me foi de grande ajuda.
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