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Jânio Quadros
Jânio da Silva Quadros (Campo Grande, 25 de janeiro de 1917 — São Paulo, 16 de fevereiro de 1992) foi um político e o vigésimo segundo presidente do Brasil, entre 31 de janeiro de 1961 e 25 de agosto de 1961 — data em que renunciou. Em 1985 elegeu-se prefeito de São Paulo pelo PTB. Foi o único sul-mato-grossense presidente do Brasil.
A versão corrente de que Jânio Quadros nascera em Campo Grande foi contestada pelo ex-governador sulmatogrossense, Pedro Pedrossian, em seu livro "Pedro Pedrossian, o Pescador de Sonhos - Memórias", página 246, publicado pelo Instituto Histórico e Geográfico do Mato Grosso do Sul, em 2006. Natural de Miranda, Pedrossian conta a passagem da família Quadros por Porto Esperança e Miranda e acrescenta: "Minha mãe (Rosa Pedrossian) confirma a versão (de que Jânio nascera em Miranda, na chácara Jambeiro), pois estudara com a mãe do candidato (Jânio)".
Formação acadêmica e magistério
Quando criança morou em Curitiba, tendo feito os quatro primeiros anos do ensino fundamental no Grupo Escola Conselheiro Zacarias, hoje Colégio Estadual Conselheiro Zacarias; mais tarde, estudou no Colégio Marista Arquidiocesano de São Paulo para, depois, formar-se em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, abrindo banca na capital paulista em 1943, logo após a sua graduação.
Foi professor de Geografia no tradicional Colégio Dante Alighieri, considerado excelente professor. Tempos depois, lecionou Direito Processual Penal na Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Vida política
Início da carreira
Filho do farmacêutico Gabriel Quadros, nascido no estado de Mato Grosso (na porção que hoje corresponde ao Mato Grosso do Sul), mas criado em Curitiba (onde foi colega de escola do futuro governador e ministro Ney Braga) e na capital paulista, em bairros da Zona Norte, Santana e, depois, Vila Maria, que se converteria em seu mais fiel e cativo reduto eleitoral.
Em 1947 foi eleito suplente de vereador na cidade de São Paulo pelo Partido Democrata Cristão (o mesmo partido do jovem André Franco Montoro, a quem enfrentaria em uma eleição estadual 35 anos depois). Com a cassação dos mandatos dos parlamentares do Partido Comunista Brasileiro (por determinação geral do então presidente Eurico Gaspar Dutra), pôde assumir uma cadeira na Câmara Municipal, desempenhando mandato entre 1948 e 1950. Na ocasião ficou conhecido como o maior autor de proposições, projetos de lei e discursos de todas as casas legislativas do país no período, assinando ainda a grande maioria das propostas e projetos considerados favoráveis à classe trabalhadora. Na sequência foi consagrado como o deputado estadual mais votado, com mandato entre 1951 e 1953.
Prefeito e governador
A seguir elegeu-se prefeito do município de São Paulo, o que caracterizou uma grande façanha, pois enfrentou um enorme arco de partidos, assim composto: PSP-PSD-UDN-PTB-PRP-PR-PL. Essa coligação registrou a candidatura do professor Francisco Antonio Cardoso, que tinha uma campanha milionária, com uma enxurrada de material de propaganda e com apoio ostensivo das máquinas municipal e estadual. De outro lado, o PDC e o PSB lançam Jânio Quadros, com poucos recursos financeiros - sua campanha foi chamada de o tostão contra o milhão. Exerceu a função de 1953 a 1955, licenciando-se do cargo em 1954, durante a sua campanha para governador. Seu vice, que exerceu interinamente o cargo, foi José Porfírio da Paz, que também foi autor do hino do São Paulo Futebol Clube.
Candidato da aliança PTN-PSB, ganhou o pleito sobre o favorito Ademar de Barros (um de seus maiores inimigos políticos) por uma pequena margem de votos, de cerca de 1%. Sua gestão foi entre 1955 e 1959. Durante o mandato procurou executar ações que passassem uma imagem de moralização da administração pública e de combate à corrupção (uma prática comum era a das visitas surpresa às repartições públicas, a fim de verificar a qualidade do serviço oferecido à população) aliadas a um empreendedorismo que buscava destaque e projeção, seja na criação de novos serviços e órgãos ou na construção de grandes obras, como pode se verificar, por exemplo, na criação do Complexo Penitenciário do Carandiru. Assim, angariou grande popularidade e se consagrou como um líder entre os paulistas.
A presidência da República seria o passo a seguir mas, no final de 1958, para não passar um "tempo ocioso" na política, se candidatou e se elegeu deputado federal pelo estado do Paraná, com o maior números de votos, mas não assumiu o mandato. Em lugar disso, preparou sua candidatura à presidência, com apoio da União Democrática Nacional (UDN). Utilizou como mote da campanha o "varre, varre vassourinha, varre a corrupção", cujo jingle tinha como versos iniciais:
varre, varre, varre, varre vassourinha / varre, varre a bandalheira / que o povo já tá cansado / de sofrer dessa maneira / Jânio Quadros é a esperança desse povo abandonado!.
[editar] Rápida ascensão política
Jânio chegou à presidência da República de forma muito veloz. Em São Paulo, exerceu sucessivamente os cargos de vereador, deputado, prefeito da capital e governador do estado. Tinha um estilo político exibicionista, dramático e demagógico. Conquistou grande parte do eleitorado prometendo combater a corrupção e usando uma expressão por ele cunhada: varrer toda a sujeira da administração pública. Por isso o seu símbolo de campanha era uma vassoura.
Presidente da República
Foi eleito presidente em 3 de outubro de 1960, pela coligação PTN-PDC-UDN-PR-PL, para o mandato de 1961 a 1965, com 5,6 milhões de votos - a maior votação até então obtida no Brasil - vencendo o marechal Henrique Lott de forma arrasadora, por mais de dois milhões de votos. Porém não conseguiu eleger o candidato a vice-presidente de sua chapa, Milton Campos (naquela época votava-se separadamente para presidente e vice). Quem se elegeu para vice-presidente foi João Goulart, do Partido Trabalhista Brasileiro. Os eleitos formaram a chapa conhecida como chapa Jan-Jan.
Jânio Quadros.
Qual a razão do sucesso de Jânio Quadros? Castilho Cabral, presidente do antigo Movimento Popular Jânio Quadros, sempre se perguntava por que esse moço desajeitado conseguiu realizar, em menos de quinze anos, uma carreira política inteira - de vereador a Presidente da República - que não tem paralelo na história do Brasil. Jânio não alcançou o poder na crista de uma revolução armada, como Getúlio Vargas. Não era rico, não fazia parte de algum clã, não tinha padrinhos, não era dono de jornal, não tinha dinheiro, não era ligado a grupo econômico, não servia aos Estados Unidos nem à Rússia, não era bonito, nem simpático. O que era, então, Jânio Quadros?
Hélio Silva, em seu livro A Renúncia,[1] tenta explicar:
Jânio trazia em si e em sua mensagem, algo que tinha que se realizar. E que excedia, até mesmo excedeu, sua capacidade de realização … Todo um conjunto de valores e uma conjugação de interesses somavam-se em suas iniciativas e aliavam-se, nas resistências que encontrou. Analisada, a renúncia não tem explicação. Ou melhor, nenhuma das explicações que lhe foram dadas satisfaz.
Jânio representava a promessa de revolução pela qual o povo ansiava. Embora Jânio fosse considerado um conservador - era declaradamente anticomunista - seu programa de governo foi um programa revolucionário.
Propunha a modificação de fórmulas antiquadas, uma abertura a novos horizontes, que conduziria o Brasil a uma nova fase de progresso, sem inflação, em plena democracia.
Assumiu a presidência (pela primeira vez a posse se realizava em Brasília) no dia 31 de janeiro de 1961.
Embora tenha feito um governo curtíssimo - que só durou sete meses - pôde, nesse período, traçar novos rumos à política externa e e orientar, de maneira singular, os negócios internos. A posição ímpar de Cuba nas Américas após a vitória de Fidel Castro mereceu sua atenção. Comenta Hélio Silva em A Renúncia:
Foi em seu Governo, breve mas meteórico, que se firmaram diretrizes tão avançadas que, muitos anos passados, voltamos a elas, sem possibilidade real de desconhecer as motivações que as inspiraram.
Para combater a burocracia, tomou emprestado a Winston Churchill - que usara o método durante a Guerra - o hábito de comunicar-se com ministros e assessores diretamente por meio de memorandos - apelidados pela imprensa oposicionista de os bilhetinhos de Jânio[2] - os quais funcionário ou ministro algum ousava ignorar. Adquirira esse hábito, que causou estranheza a alguns conservadores - e era até objeto de chacotas da oposição - no governo de São Paulo.
Um mestre inato da arte da comunicação, Jânio, no intuito de se manter diariamente na "ribalta", utilizava factoides como a proibição do biquíni nos concursos de miss, a proibição das rinhas de galo, a proibição de lança-perfume em bailes de carnaval, e a tentativa de regulamentar o carteado.
Jânio condecorou, no dia 19 de agosto de 1961, com a Grã-Cruz da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul Ernesto Che Guevara, o guerrilheiro argentino que fora um dos líderes da revolução cubana - e era ministro daquele país - em agradecimento por Guevara ter atendido a seu apelo e libertado mais de vinte sacerdotes presos em Cuba, que estavam condenados ao fuzilamento, exilando-os na Espanha. Jânio fez esse pedido de clemência a Guevara por solicitação de dom Armando Lombardi, Núncio apostólico no Brasil, que o solicitou em nome do Vaticano. A outorga da condecoração foi aprovada no Conselho da Ordem por unanimidade, inclusive pelos três ministros militares.[5] As possíveis consequências desse ato foram mal calculadas por Jânio. Sua repercussão foi a pior possível e os problemas já começaram na véspera, com a insubordinação da oficialidade do Batalhão de Guarda que, amotinada, se recusava a acatar as ordens de formar as tropas defronte ao Palácio do Planalto, para a execução dos hinos nacionais dos dois países e a revista. Só a poucas horas da cerimônia, já na manhã do dia 19, conseguiram os oficiais superiores convencer os comandantes da guarda a se enquadrar.[3] A oposição aproveitou-se desse mero ato de cortesia, feita a um governante que havia prestado um favor ao Brasil, para transformá-lo em tempestade num copo d'água. Na imprensa e no Congresso começaram a surgir violentos protestos contra a condecoração de Guevara. Alguns militares ameaçaram devolver suas condecorações em sinal de protesto. Em represália ao que foi descrito como um apoio de Jânio ao regime ditatorial de Fidel, nesse mesmo dia, Carlos Lacerda entregou a chave do Estado da Guanabara ao líder anticastrista Manuel Verona, diretor da Frente Revolucionária Democrática Cubana, que se encontrava viajando pelo Brasil em busca de apoio à sua causa.
A Política Externa Independente (PEI),[6] criada por San Tiago Dantas (juntamente com Afonso Arinos e Araújo Castro) e adotada por Jânio, introduziu grandes mudanças na política internacional do Brasil. O país transformou as bases da sua ação diplomática e esta mudança representou um ponto de inflexão na história contemporânea da política internacional brasileira, que passou a procurar estabelecer relações comerciais e diplomáticas com todas as nações do mundo que manifestassem interesse num intercâmbio pacífico.
Inaugurada em seu governo, foi firmemente conduzida pelo chanceler Afonso Arinos de Melo Franco. A inovação não era bem vista pelos Estados Unidos da América nem por vários grupos econômicos que se beneficiavam da política anterior e nem pela direita nacional, em especial por alguns políticos da UDN, que apoiara Jânio Quadros na eleição.
Enquanto o chanceler Afonso Arinos discursava no Congresso Nacional e divulgava, pela imprensa, palavras que conseguiam tranquilizar alguns setores mais esclarecidos da opinião pública, a corrente que comandava a campanha de oposição à nova política externa, liderada por Carlos Lacerda, Roberto Marinho (Organizações Globo), Júlio de Mesquita Filho (O Estado de S. Paulo) e Dom Jaime de Barros Câmara (arcebispo do Rio de Janeiro), ganhava terreno entre a massa propriamente dita, a tal ponto que alguns de seus eleitores começaram a acusar Jânio de estar levando o Brasil para o comunismo.
Essa inovadora política externa de Jânio também provocou algumas resistências nos meios militares. O almirante Penna Botto, que havia protagonizado a deposição de Carlos Luz no episódio do Cruzador Tamandaré, chegou a lançar, em 1961, um livro intitulado A Desastrada Política Exterior do Presidente Jânio Quadros
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Por outro lado as duras medidas internas, que visavam a combater a inflação - que foi crescente durante o governo JK - e já grassava solta após a inauguração de Brasília, bem como algumas medidas que visavam reorganizar a economia, desagradavam à esquerda. Jânio reprimia os movimentos esquerdistas, pelos quais não tinha simpatia alguma, e muitos deles eram liderados por João Goulart. Sua política de austeridade, baseada principalmente no congelamento de salários, restrição ao crédito e combate à especulação, desagradava inúmeros setores influentes.
Jânio nunca teve um bom esquema de sustentação no Congresso Nacional. Sua eleição se deu ao arrepio das forças políticas que compunham esse Congresso, que fora eleito em 1958, e já não mais correspondia às necessidades e às aspirações do eleitorado, que mudara de posição. Diz Hélio Silva, em A Renúncia: O resultado do pleito em que Jânio recebeu quase 6 milhões de votos rompeu o controle das cúpulas partidárias.
O governo
No seu curto período de governo, Jânio Quadros:
Continuou a política internacional que teve seu início no governo de Vargas e um aprofundamento no governo JK. Aumentou a política externa independente (PEI), que visava estabelecer relações com todos os povos, particularmente os da área socialista e da África. Restabeleceu relações diplomáticas e comerciais com a URSS e a China, algo impensável dentro do plano geopolítico e geoestratégico de inserção brasileiro. Nomeou o primeiro embaixador negro da história do Brasil.
Defendeu a política de autodeterminação dos povos, condenando as intervenções estrangeiras. Condenou o episódio da Baía do Porcos e a interferência norte-americana que provocou o isolamento de Cuba.
Deu a Che Guevara uma alta condecoração, a Ordem do Cruzeiro do Sul, o que irritou seus aliados, sobretudo os da UDN.
Criou as primeiras reservas indígenas, dentre elas o Parque Nacional do Xingu, e os primeiros parques ecológicos nacionais.
Através da Resolução nº 204 da Superintendência da Moeda e do Crédito, acabou com subsídios ao câmbio que beneficiavam determinados grupos econômicos importadores às custas do erário público - inclusive os grandes jornais, que importavam papel de imprensa a um dólar subsidiado em cerca de 75%, e que se irritaram com essa perda de seus privilégios.[8]
Instalou uma avara política de gastos públicos, enxugando onde fosse possível a máquina governamental. Abriu centenas e centenas de inquéritos e sindicâncias em um combate aberto à corrupção e ao desregramento na administração pública.
Enviou ao Congresso os projetos de lei antitruste, a lei de limitação e regulamentação da remessa de lucros e royalties, e a pioneira proposta de lei de reforma agrária. Naturalmente nenhum desses projetos jamais foi posto em votação pelo Congresso - hostil a seu governo - que os engavetou, uma vez que Jânio se recusava a contribuir com o que chamava de espórtulas constrangedoras que os congressistas estavam acostumados a exigir para aprovar Leis de interesse da nação.
Finalmente, proibiu o biquíni na transmissão televisada dos concursos de miss, proibiu as rinhas de galo, o lança-perfume em bailes de carnaval e regulamentou o jogo carteado. Por hilárias que possam ter parecido essas medidas na ocasião, mais de 45 anos depois, passados mais de dez presidentes pela cadeira que foi sua, todas essas leis editadas por Jânio ainda continuam em vigor.
A renúncia
Carta renúncia de Jânio Quadros.
"Ao Congresso Nacional. Nesta data, e por este instrumento, deixando com o Ministro da Justiça, as razões de meu ato, renuncio ao mandato de Presidente da República. Brasília, 25.8.61."
O dia 21 de agosto de 1961 Jânio Quadros assinou uma resolução que anulava as autorizações ilegais outorgadas a favor da empresa Hanna e restituía as jazidas de ferro de Minas Gerais à reserva nacional. Quatro dias depois, os ministros militares pressionaram a Quadros a renunciar: «Forças terríveis se levantaram contra mim…», dizia o texto da renuncia.
De acordo com Auro de Moura Andrade, as razões de seu ato, citado em sua carta renúncia, entregue ao ministro da Justiça Oscar Pedroso Horta, foram:
Fui vencido pela reação e, assim, deixo o Governo. Nestes sete meses, cumpri meu dever. Tenho-o cumprido, dia e noite, trabalhando infatigavelmente, sem prevenções nem rancores. Mas, baldaram-se os meus esforços para conduzir esta Nação pelo caminho de sua verdadeira libertação política e econômica, o único que possibilitaria o progresso efetivo e a justiça social, a que tem direito o seu generoso povo. Desejei um Brasil para os brasileiros, afrontando, nesse sonho, a corrupção, a mentira e a covardia que subordinam os interesses gerais aos apetites e às ambições de grupos ou indivíduos, inclusive, do exterior. Forças terríveis levantam-se contra mim, e me intrigam ou infamam, até com a desculpa da colaboração. Se permanecesse, não manteria a confiança e a tranquilidade, ora quebradas, e indispensáveis ao exercício da minha autoridade. Creio mesmo, que não manteria a própria paz pública. Encerro, assim, com o pensamento voltado para a nossa gente, para os estudantes e para os operários, para a grande família do País, esta página de minha vida e da vida nacional. A mim, não falta a coragem da renúncia. Saio com um agradecimento, e um apelo. O agradecimento, é aos companheiros que, comigo, lutaram e me sustentaram, dentro e fora do Governo e, de forma especial, às Forças Armadas, cuja conduta exemplar, em todos os instantes, proclamo nesta oportunidade. O apelo, é no sentido da ordem, do congraçamento, do respeito e da estima de cada um dos meus patrícios para todos; de todos para cada um. Somente, assim, seremos dignos deste País, e do Mundo. Somente, assim, seremos dignos da nossa herança e da nossa predestinação cristã. Retorno, agora, a meu trabalho de advogado e professor. Trabalhemos todos. Há muitas formas de servir nossa pátria. Brasília, 25-8-61. a) J. Quadros
Carlos Lacerda, governador do estado da Guanabara, - o derrubador de presidentes - percebendo que Jânio fugia ao controle das lideranças da UDN, mais uma vez se colocou como porta-voz da campanha contra um presidente legitimamente eleito pelo povo (como havia feito com relação a Getúlio Vargas e tentado, sem sucesso, com relação a Juscelino Kubitschek). Não tendo como acusar Jânio de corrupto, tática que usou contra seus dois antecessores, decidiu impingir-lhe a pecha de golpista.
Em um discurso no dia 24 de agosto de 1961, transmitido em cadeia nacional de rádio e televisão, Lacerda denunciou uma suposta trama palaciana de Jânio e acusou seu ministro da Justiça, Oscar Pedroso Horta, de tê-lo convidado a participar de um golpe de estado.
Na tarde de 25 de agosto, Jânio Quadros, para espanto de toda a nação, anunciou sua renúncia, que foi prontamente aceita pelo Congresso Nacional. Especula-se que talvez Jânio não esperasse que sua carta-renúncia fosse efetivamente entregue ao Congresso. Pelo menos não a carta original, assinada, com valor de documento.
O popular rádio jornal daquela época, o Repórter Esso, em edição extraordinária, no dia 25 de agosto, atribuiu a renúncia a "forças ocultas", frase que Jânio não usou, mas que entrou para a história do Brasil e que muito irritava Jânio, quando perguntado sobre ela.
Cláudio Lembo, que foi Secretário de Negócios Jurídicos da Prefeitura durante o segundo mandato de Jânio, recorda dois pedidos de renúncia que Jânio lhe entregou - e preferiu guardar no bolso. Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo[10] disse Lembo:
Ele fazia isso em momentos de tensão ou muito cansaço, ou de "stress", como os jovens dizem hoje. Era aquele cansaço da luta política, de quem diz 'vou embora'. Mas não era para valer.
Era voz corrente, na ocasião, que os congressistas não dariam posse ao vice-presidente, João Goulart, cuja fama de "esquerdista" agravou-se após Jânio tê-lo enviado habilmente em missão comercial e diplomática à China. Essa fama de "esquerdista" fora atribuída a Jango quando ele ainda exercia o cargo de ministro do Trabalho no governo democrático de Getúlio Vargas (1951-1954), durante o qual aumentou-se o salário mínimo a 100% e promoveu-se reforma agrária – atitudes essas consideradas suficientemente "comunistas" pelos setores conservadores na época.
Por outro lado especula-se que Jânio estaria certo de que surgiriam fortes manifestações populares contra sua renúncia, com o povo clamando nas ruas por sua volta ao poder - como ocorreu com Charles de Gaulle. Por isso Jânio permaneceu por horas aguardando dentro do avião que o levaria de Brasília a São Paulo.
Tudo indica, entretanto, que algum tipo de arranjo foi feito, nos bastidores da política, para impedir que a população soubesse em que local Jânio se encontrava nos momentos mais cruciais - imediatamente após a divulgação de sua carta de renúncia.
Jânio Quadros alegou a pressão de "forças terríveis" que o obrigavam a renunciar, forças que nunca chegou a identificar. Com sua renúncia abriu-se uma crise, pois os ministros militares vetavam o nome de Goulart. Assumiu provisoriamente Ranieri Mazzili, enquanto acontecia a Campanha da Legalidade; nesta campanha destacou-se Leonel Brizola, governador do Rio Grande do Sul e cunhado de Jango. Com a adoção do regime parlamentarista, e consequente redução dos poderes presidenciais, finalmente os militares aceitaram que Goulart assumisse. O primeiro Primeiro-Ministro do Brasil foi Tancredo Neves. A experiência parlamentarista, contudo, foi revogada por um plebiscito em 6 de janeiro de 1963, depois de também terem sido primeiros-ministros Brochado da Rocha e Hermes Lima.
Cassação dos direitos políticos e regresso
No ano seguinte à renúncia Jânio foi candidato a governador de São Paulo sendo derrotado por seu velho desafeto Ademar de Barros. Com a eclosão do Regime Militar de 1964 foi um dos três ex-presidentes a ter seus direitos políticos cassados ao lado de João Goulart e Juscelino Kubitschek. Após fazer declarações à imprensa em Recife, Rio de Janeiro e São Paulo, em julho de 1968, o ex-presidente foi detido pelo Exército Brasileiro, por ordem do então Ministro da Justiça, Luís Antônio da Gama e Silva, ficando confinado em Corumbá, cidade que fica no Pantanal sul-mato-grossense, na fronteira com a Bolívia. O ex-presidente ficou hospedado no Hotel Santa Mônica, que ainda funciona em Corumbá.
Recuperou os direitos políticos em 1974, mas manteve-se afastado das urnas inclusive nas eleições legislativas de 1978, ano em que seus simpatizantes (agrupados sob o denominado "Movimento Popular Jânio Quadros") o levaram a visitar o bairro paulistano de Vila Maria, tradicional reduto "janista". Em novembro do ano seguinte manifestou a intenção de concorrer à sucessão de Paulo Maluf ao governo do estado de São Paulo filiando-se ao Partido Trabalhista Brasileiro (agora uma agremiação conservadora de direita, tendo pouca relação com a antiga legenda de Getúlio e Jango) tão logo foi efetivada a reforma partidária.
Ciclotímico, Jânio Quadros deixou o PTB sete meses depois de sua filiação e tentou ingressar no PMDB, tendo sua entrada indeferida pela executiva nacional do partido, voltando assim ao PTB, legenda pela qual foi candidato a governador de São Paulo em 1982, num pleito onde o vitorioso foi Franco Montoro, seu antigo correligionário no PDC. Jânio terminou a eleição na terceira posição, atrás ainda do malufista Reynaldo de Barros. Por ocasião do processo sucessório do presidente João Figueiredo, declarou apoio ao candidato da oposição, Tancredo de Almeida Neves. Em 1985, contando com o proeminente apoio do empresariado (Olavo Setúbal, Herbert Levy) e dos setores e figuras mais conservadoras da sociedade paulistana, como a TFP, a Opus Dei, o ex-governador Paulo Maluf e o ex-ministro Antônio Delfim Netto, retornou aos cargos públicos elegendo-se prefeito de São Paulo também pelo PTB, derrotando o candidato situacionista, senador Fernando Henrique Cardoso (PMDB), e o representante das esquerdas, deputado federal Eduardo Suplicy (PT). A vitória de Jânio Quadros contrariou os prognósticos dos institutos de pesquisa e contradisse as avaliações segundo as quais o ex-presidente era tido como um nome "ultrapassado" no novo contexto da política brasileira emergente do processo de redemocratização e da campanha das Diretas Já. Fernando Henrique Cardoso, o então primeiro colocado nas pesquisas, chegou a tirar uma foto, publicada pela Revista Veja, sentado na cadeira de prefeito de São Paulo. Tal fato levou Jânio a tomar posse com um tubo de inseticida nas mãos, declarando: "Estou desinfetando a poltrona porque nádegas indevidas a usaram".[12]
Prefeito de São Paulo pela segunda vez
Recebeu o cargo de Mário Covas, um ex-janista que havia se tornado uma das principais lideranças do PMDB. Em tese, seu mandato foi exercido até o primeiro dia de 1989, quando seu Secretário dos Negócios Jurídicos, Cláudio Lembo, passou o cargo para Luiza Erundina (Jânio havia deixado o gabinete dez dias antes, indo passar o reveillón em Londres). Em sua última empreitada político-administrativa repetiu seus lances populistas habituais: pendurou uma chuteira em seu gabinete (para ilustrar o suposto desinteresse em prosseguir na política), proibiu jogos de sunga e o uso de biquínis fio-dental no Parque do Ibirapuera (onde era localizada a então sede da prefeitura), com frequência mandava publicar no Diário Oficial do município os célebres bilhetinhos enviados aos seus assessores, obrigou a direção da Escola de Balé do Teatro Municipal a expulsar alguns alunos tidos como homossexuais, aplicou multas de trânsito pessoalmente, posou para a imprensa com a camisa do Corinthians e fechou os oito cinemas que iriam exibir o filme A Última Tentação de Cristo, de Martin Scorsese, por considerá-lo desrespeitoso à fé cristã. A obra só estrearia na cidade no início de 1989, após o final de seu mandato.
Ao mesmo tempo em que criava factoides midiáticos, investia na instalação de serviços de luz em cerca de 91% da área habitada da cidade, na pavimentação de aproximadamente 700 quilômetros de vias públicas, na abertura dos túneis da Avenida Juscelino Kubitschek, na inauguração do Corredor Santo Amaro e na reforma do Vale do Anhangabaú. Restaurou doze bibliotecas públicas, o Teatro Municipal e mais três teatros, além de ter inaugurado o Teatro Cacilda Becker. Seu programa também incluiu ações nos setores da limpeza pública, do saneamento básico (através da canalização de dois córregos), da habitação e da saúde (com a inauguração de dois hospitais e a recuperação de outros seis, fora cinquenta e oito unidades médicas). Concebeu pessoalmente o sistema viário de múltiplos túneis, conectores de diversas avenidas vitais de São Paulo, a cujas caríssimas, complexas e demoradas obras deu início ainda em seu mandato. Após terem sido interrompidas por Luiza Erundina, tais obras foram retomadas e concluídas na gestão de Paulo Maluf. O nome Túnel Presidente Jânio Quadros, por exemplo, foi dado em homenagem ao ex-presidente que havia feito a concorrência da obra. O atual prefeito Gilberto Kassab cogita em dar-lhes continuidade. Na área do transporte público inseriu, em caráter experimental, ônibus de dois andares (a exemplo dos encontrados em Londres) no trânsito da cidade, mas tal experiência não obteve o resultado esperado e foi definitivamente descartada por Luiza Erundina.
Nas eleições para governador de 1986, anunciou apoio a Orestes Quércia, candidato do PMDB e vencedor da eleição. Entretanto, sofreu denúncias de que teria usado a máquina da prefeitura para auxiliar na campanha de Paulo Maluf (PDS).
Em sua relação com a Câmara Municipal, Jânio Quadros utilizou as Administrações Regionais como elementos de barganha para obter o apoio político dos vereadores através de um sistema que consistia no loteamento das mesmas entre os parlamentares. Cada político exercia poder sobre uma administração regional e, não por acaso, ao final de seu mandato o número de ARs e o de legisladores municipais era o mesmo: trinta e três.
Segundo alguns analistas políticos e representantes da sociedade civil, Jânio adotou posturas autoritárias em diversas situações. Seu governo foi marcado por insatisfações de vários setores do funcionalismo público, materializadas através de greves e protestos nas proximidades de seu gabinete, aos quais quase sempre respondia com demissões em massa. Jânio também demonstrou posturas inflexíveis ante a manifestações de movimentos sociais, como o MST. Criou a Guarda Civil Metropolitana para, segundo ele, reforçar o policiamento na cidade, mas seus adversários o criticaram duramente por, na visão deles, utilizá-la como mais um de seus instrumentos de repressão. Ao longo de seu mandato afastou-se diversas vezes do cargo para cuidar tanto de sua saúde, já abalada, quanto da de sua mulher, Dona Eloá Quadros (falecida em 1990). Ao fim da gestão encontrava-se desgastado perante a opinião pública: apenas 30% dos paulistanos aprovaram sua administração [carece de fontes] , além do vexame de ter sido acusado, pelo à época vereador Walter Feldman (PMDB), de manter uma conta bancária na Suíça. Nas eleições de 1988, embora João Mellão Neto (PL) e Marco Antônio Mastrobuono (PTB), que foram integrantes de seu secretariado, concorressem à sucessão, apoiou o candidato João Oswaldo Leiva, do PMDB (lançado pelo então governador Orestes Quércia). Contudo, a vitória de Erundina (PT) em tal pleito configurou-se em uma dura derrota para Jânio Quadros, pois a mesma foi eleita amparada quase que exclusivamente por uma plataforma de esquerda antijanista.
Após a prefeitura
Sua saúde frágil o impediu de concorrer à Presidência da República em 1989 (teria recebido inclusive um convite do PSD, que depois lançaria o nome de Ronaldo Caiado) e por conta desse fato hipotecou, no segundo turno do pleito, apoio ao ascendente Fernando Collor, cujo discurso e práticas políticas eram similares às suas. No mesmo ano reuniu a imprensa para anunciar a aposentadoria definitiva da política. A morte de Eloá, em novembro de 1990, agravou seu estado de saúde. Passou os últimos meses de sua vida entre casas de repouso e quartos de hospitais. Faleceu em São Paulo, internado no Hospital Israelita Albert Einstein, ao dia 16 de fevereiro de 1992, em estado vegetativo, vítima de três derrames cerebrais.
Obras publicadas
Jânio Quadros publicou as obras Curso prático da língua portuguesa e sua literatura (1966), História do povo brasileiro (1967, em coautoria com Afonso Arinos), Novo Dicionário Prático da Língua Portuguesa (1976) e Quinze contos (1983).
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